A Desiguldade na Atribuição de Bolsas de Mobilidade ERASMUS+

O Erasmus+ é um programa criado pela União Europeia (UE), “nos domínios da educação, formação, juventude e desporto”, com um leque vasto de objetivos, desde permitir a mobilidade entre instituições de ensino europeias para estudantes, docentes e nãodocentes, reduzir o abandono escolar, passando por aumentar os níveis de conclusão do Ensino Superior, disseminar a dimensão europeia do desporto ou dotar os participantes dos valores europeus.

O programa registou, em 2017, a “maior participação de sempre”, compreendendo quase 800 mil participantes. Desses, 21 mil em Portugal, num total de 410 programas de mobilidade e um orçamento de quase 37 milhões de euros.

Hodiernamente, é indubitável a importância do Erasmus na formação dos jovens, repercutindo-se a sua vivência quer na esfera pessoal como na profissional. Indiscutível, outrossim, é o reforço financeiro do programa ao longo dos anos.

Sem embargo, verificam-se determinadas lacunas, que vêm sendo arrastadas desde a sua criação e que urgem reformar. Mormente no tangente às bolsas financeiras de mobilidade atribuídas a estudantes, existe uma clara desigualdade entre países/universidades/parceiros. A título de exemplo, apresentam-se, de seguida, três situações (Figuras 1, 2 e 3) que explanam valores distintos para um mesmo país de acolhimento:

Figura 1: Tabela de montantes das bolsas de mobilidade, por grupo de países, aplicada à Erasmus Universiteit Rotterdam (Países Baixos). Fonte: Erasmus Universiteit Rotterdam

 

 

Figura 2: Tabela de montantes das bolsas de mobilidade, por grupo de países, aplicada ao Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa (Portugal). Fonte: ISEG (2018). Acedido em www.iseg.ulisboa.pt

 

Figura 3: Tabela de montantes das bolsas de mobilidade*, por grupo de países, aplicada à Université du Luxembourg (Luxemburgo). Fonte: Université du Luxembourg (2018). Acedido em wwwen.uni.lu

 

Conquanto os valores aqui expressos para o caso luxemburguês sejam factuais, estes não espelham a realidade no seu todo. Importa salientar que (*) os estudantes, adicionalmente, veem concedida “assistência financeira do Governo do Luxemburgo“, garantida através do CEDIES (Centre de Documentation et d’Information sur l’Enseignement Supérieur), desde que cumpram um dos requisitos: ter nacionalidade luxemburguesa; ser nacional de um Estado Membro da UE, da Área Económica Europeia ou da Confedereção Suíça; ser de um país terceiro, mas ter residido no Luxemburgo pelo menos 5 anos; ter estatuto de refugiado; ou ser filho de um cidadão do Luxemburgo, um nacional de um Estado Membro da UE, da Área Económica Europeia ou da Confedereção Suíça, desde que esse cidadão leve a cabo atividade profissional no Luxemburgo por, pelo menos, 5 anos ininterruptos. Ou seja, praticamente todo o estudante a frequentar a Université do Luxembourg tem direito à prestação pecuniária adicional.

Esta assistência consiste na atribuição de um empréstimo estudantil no valor de 3.250,00€ (de cariz opcional) e de uma bolsa «básica» de 1.000,00€ de cariz automático.

Recapitulando, se um estudante efetuar mobilidade para, por exemplo, um dos países do “Grupo 1” (Dinamarca, Irlanda, Islândia, Finlândia, Suécia, Reino Unido, Liechtenstein, Noruega, Luxemburgo), receberá, se for da Erasmus Universiteit Rotterdam/da Holanda, 360,00€ mensais, ao passo que, se for do ISEG/de Portugal, receberá 335,00€, e se for da Université du Luxembourg/do Luxemburgo, receberá 470,00€ com adição da contribuição governamental expressa na lei luxemburguesa de, pelo menos, 1.000,00€, resultando num acréscimo de 200,00€ mensais (considerando um período de mobilidade de 5 meses), totalizando para este último caso uns 670,00€ de bolsa de mobilidade, como mínimo, para um estudante vindo do Luxemburgo (dependendo das condições socioeconómicas do aluno, os valores a auferir poderão ser ainda superiores).

Note-se que o valor atribuído pelo Luxemburgo é (no mínimo) o dobro do atribuído por Portugal, para a mesma categoria de países de acolhimento, face ao exposto!

Ademais, é clarividente que o estudante proveniente do Luxemburgo tenderá a possuir condições financeiras próprias mais elevadas do que o estudante português, e, ainda assim, receberá um apoio maior.

Por outro lado, não pode passar despercebida a surreal equiparação estabelecida entre determinados países. Olhe-se para o “Grupo 2”, a título demonstrativo. Neste grupo, estão acoplados países como Portugal e Holanda, Espanha e Alemanha ou Chipre e Bélgica. Retoricamente, questiono-me se o nível de vida de Portugal será similar ao da Holanda ou da Bélgica. O leitor responder-me-á, certamente.

Concomitantemente, é imperativa uma nova abordagem ao estabelecimento de categorias para países, reformulando os conceitos, parâmetros e indicadores que levam à cindibilidade entre os “países ricos”, “países medianos” e “países pobres”, como sói dizer.

Chegamos, pois, à premente questão: o que explica esta diferenciação? Declaro ingenuamente não saber, a não ser a Comissão Europeia assim permitir. Na minha opinião, é uma situação profundamente mal acautelada, tornada manifestamente injusta.

É absolutamente inqualificável que um aluno de um Estado participante seja alvo de desigualdade para com um mesmo aluno de outro Estado membro do programa. Saliente-se: enquanto que um jovem português pode ir para Espanha estudar com uma bolsa de menos de 300,00€ mensais, um estudante luxemburguês pode vir para Portugal estudar recebendo mais de 600,00€ por mês. Os números e a realidade falam por si.

Ante o exposto e em compêndio, urge reformar as regras de atribuição de bolsas de mobilidade, harmonizando – ou até uniformizando – as prestações a conceder, assim como é fundamental os órgãos europeus possuírem um olhar mais atento e concatenador às diferentes realidades de cada país.

Confiando que as juventudes partidárias nacionais e europeias darão o seu contributo, ao lado de organizações estudantis e demais vocacionadas e responsáveis pela promoção e execução do Erasmus, para inculcar uma reforma das regras relativas à atribuição de bolsas de mobilidade (não obstante outros elementos que possam vir a sofrer melhorias e aqui não especificados) já no próximo mandato europeu, permitam-me expor aqui a minha inquietação, que é também a de milhares de colegas e jovens europeus.

 

Luís Malhadinhas (beneficiário do Programa Erasmus+ para mobilidade de estudos em Málaga, em 2016, e futuro beneficiário em Bruxelas, em 2020).