O Estado da Educação em Portugal

Vivemos tempos difíceis em todos os domínios e a educação não é, nem pode ser exceção. Se já havia problemas suficientes, a covid-19 apenas os veio clarear ou aumentar a sua dimensão. Não obstante a enorme dedicação dos profissionais que a estruturam, as deficiências subsistem e são de variadas naturezas.

O professor (aquele que ensina e transmite conhecimento ou ensinamentos) tem agora uma enorme carga burocrática em mãos. Desengane-se quem pensa que o trabalho de professor tem vindo a ser facilitado. Pelo contrário, é cada vez mais exigente, pois tem vindo a assumir uma crescente responsabilidade social. A valorização da carreira docente, que tem sido tão pedida pelos profissionais e que chegou até a ser instrumentalizada para uma crise política pelo actual governo, em 2019, passa pelos seguintes parâmetros: horários de trabalho, precariedade, pré aposentação, ultrapassagens inconstitucionais, revisão do concurso, obstáculos à progressão na carreira e a falta de contabilização do tempo de serviço.

Apesar da fase difícil para a classe docente, por exemplo, com o segundo congelamento das carreiras (2011-2017), esta sempre demonstrou um total profissionalismo, o que fez atingir valores muito positivos, no que se refere ao crescente número de alunos a ingressar no ensino superior ou até à evolução da taxa bruta de escolarização (em 2019, era 96,4%). Por outro lado, há outros indicadores, como é o caso da taxa de retenção, que tem vindo a diminuir progressivamente, capazes de demonstrar os resultados do empenho desta classe.

O relatório “Educação em números – Portugal 2019” elaborado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) retrata a classe profissional dos docentes como muito envelhecida. Deste modo, é possível tomar como indício o seguinte exemplo*. O número de professores com menos de 30 anos de idade nas escolas do continente no ano lectivo de 2017/2018 era de 1.271 (cerca de 1%). Já no ano lectivo de 2000/2001 este número ascende para 27.121. Em contrapartida, o número de docentes com mais de 60 anos de idade nas escolas do continente nos mesmos anos lectivos era de 12.931 e 3.629, respectivamente. Ou seja, mais que triplicou, mesmo perante a diminuição do número total de docentes. No ano lectivo de 2000/2001, no continente, exerciam a docência cerca de 151.372. Em 2017/2018, no continente, este número cai para 121.119, o que aponta para uma clara diminuição. Para além destes dados preocupantes, também as instituições europeias e internacionais, especialmente a OCDE, têm alertado para esta temática. Exemplo disso é o recente relatório “Education at a Glance 2020”.

*Nota: Não estão contabilizados os educadores de infância, nem o ensino superior.

Talvez devido ao desmerecimento a que tem sido alvo a classe docente, o número de aposentações (que não são compensadas na íntegra) tem vindo a atingir máximos o que, aliado ao contínuo esvaziamento de cursos de educação, pode comprometer seriamente o futuro da educação em Portugal, através da contratação de profissionais insuficientemente qualificados. Só se pode concluir que tal será graças a uma incompetência política, baseada na incapacidade de possuir uma visão estratégica para solucionar um problema a médio prazo e atualmente tão visível. A falta de professores é dramática e pode ter repercussões gravíssimas no desenvolvimento do país. Ser professor já não é uma ambição aliciante.

A somar à problemática das aposentações, verifica-se o fenómeno da falta de alunos inscritos em cursos superiores de Educação (há instituições sem qualquer colocado) e a diminuição gradual da nota de ingresso. Como exemplo, é de relembrar que em 2017/2018 houve apenas 30 inscritos no mestrado de Ensino de Matemática no 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário. Já no curso de Educação Básica inscreveram-se 384 alunos para um total de 739 vagas na 1ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior em 2019. Creio que com mecanismos de avaliação dos docentes sérios e com um recrutamento que não tivesse em conta dados unicamente quantitativos a qualidade destes aumentaria. Lógico será, portanto, inferir que melhores mestres formam melhores pupilos. Ressalva para o facto de o pessoal docente vir a ser, gradualmente, mais qualificado.

Segundo notícias recentes, havia cerca de 20 mil alunos (valor avançado pela FENPROF) sem aulas a uma ou mais disciplinas. Se já havia o problema da falta de professores, as baixas de risco por orientação da DGS só vieram agravar este problema.

Além disso, também outra dificuldade foi agora acentuada. Refiro-me à literacia digital, que designa a destreza que se possui dos recursos digitais. Esta situação afeta não só os discentes, mas também os docentes. Apesar de estes últimos serem muito qualificados e serem “dos melhores do mundo” (parafraseando o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa), não obtiveram tempo nem meios suficientes para responder na plenitude ao que a crise pandémica veio exigir. Contudo, de um momento para o outro, face à situação de privação das aulas presenciais, esta adaptação tecnológica foi bem conseguida pelos professores, que se adaptaram incrivelmente. O ensino à distância não é solução para o sistema educativo, nem serve para a atual estrutura social portuguesa, tendo sido um recurso para um problema temporário, com o objectivo de minimizar o prejuízo de uma paragem que se projetava longa. Infere-se que a covid-19 veio mostrar a transição digital, de forma célere e exequível, por mais que mostremos resistências. Nesse sentido, o conhecimento adquirido nesta fase deve ser encarado como potencial para ser aproveitado. Se tivermos uma comunidade educativa predisposta a aderir a esta inovação, estes recursos podem ser uma forma de apoio complementar, visando sempre nunca aumentar qualquer tipo de desigualdade. Aliás, é necessário relembrar que assistimos paralelamente a uma degradação do parque informático, nos últimos anos, através de uma diminuição do número de computadores por aluno na escola pública (dados Pordata), acompanhada da necessidade de inserção de novas metodologias de ensino ligadas à informática.

Afeto à questão da pandemia, os alunos que estiveram privados de educação deparam-se agora com um novo cenário, especialmente aqueles que frequentam o ensino secundário. O IAVE indica que, apesar de as normas excepcionais de classificação das provas se manterem, o grau de dificuldade será ajustado, face à alegada inflação das notas no ano transacto. Os exames nacionais têm uma clara utilidade de avaliar, de forma justa, todos os estudantes. Tendo havido tantas discrepâncias no modo de leccionar nas diferentes escolas, mesmo dentro do mesmo sector (público ou privado), em resultado da falta de orientações do Ministério da Educação, será esta a estratégia mais eficaz?

Sabe-se que é possível estabelecer uma relação entre o contexto socioeconómico e o sucesso escolar. A Escola tem um fundamental papel social de contrariar as desigualdades que advém dessa relação, sendo o principal elevador social a que se pode recorrer. Veja-se que a maioria dos alunos beneficiários da Ação Social Escolar frequenta currículos alternativos ao ensino regular. Face aos constrangimentos pandémicos, este combate às desigualdades no acesso ao ensino é imperativo.

Outro aspeto relevante é o acesso ao ensino superior público que, neste momento, se baseia totalmente numa aritmética, mesmo que o perfil do aluno do século XXI atente para certas skills (como o espírito e o pensamento crítico, a comunicação, a criatividade, a capacidade de argumentação e o domínio tecnológico) que devem ser mais valorizadas e exercitadas. A escola do futuro poderá passar pela moldagem das disciplinas, ou seja, currículos personalizados. Neste caso, evitar-se-ia hipotecar o futuro de muitos alunos, em caso de indecisão.

Por último, e não menos importante, coloca-se a questão do pessoal não docente. As exigências da pandemia agravaram a já escassez de assistentes operacionais, o que coloca em risco a contínua abertura de alguns estabelecimentos de ensino. O OE de 2021 tenta atenuar esta problemática, mas as contratações são ainda insuficientes. O pessoal não docente tem registado (em 2013/2014 era um total de 81.132) uma contínua descida (no ano lectivo 2017/2018 era 74.728). Este pessoal, por muito que seja esquecido, tem um relevante papel nas escolas, já que nele se incluem animadores culturais, intérpretes de língua gestual portuguesa, terapeutas da fala, psicólogos, assistentes técnicos e assistentes operacionais, entre outros. É de realçar que as escolas, até ao momento, desesperam pela autorização do Ministério da Educação para a concretização da contratação dos três mil funcionários prometidos.

Tal como o Dr. Rui Rio referiu, recentemente, a profissão de professor é “estratégica para o futuro do País” e, sendo assim, face à sua baixa atratividade e ao envelhecimento do seu corpo, é necessário valoriza-la e dignifica-la. Atualmente, a sociedade em que hoje vivemos tem como alicerce fundamental o conhecimento e, por isso, o progresso do país, através do seu desenvolvimento em diversas áreas, depende fortemente da Educação. A Escola é um elemento basilar na sociedade e tem demonstrado a sua resiliência. Se queremos uma Escola capaz de formar as novas gerações, é preciso dignificar os seus recursos humanos. As coisas já não estavam bem e, quando o país parecia estar a recuperar (pelo menos exaltavam-no orgulhosamente), não foi feito o investimento necessário. No entanto, a culpa recai sempre sobre quem é agora oposição e, apesar de a Educação estar perante exigentes desafios, aparentemente, o seu Ministro continua a estar “desaparecido”.

Num momento em que uma pandemia nos veio condicionar diversas ambições, mas expor bastantes deficiências no Ensino, é imprescindível lutar para melhorar o Ensino em Portugal e o futuro dos jovens portugueses.

O maior privilégio de um professor é também a sua maior responsabilidade: tocar o destino de uma criança, moldar uma vida. Haverá profissão mais nobre? Tarefa mais importante?” – Nuno Lobo Antunes