Os Servos de um Estado

Introduzir o debate sobre o papel do Estado na sociedade nem sempre se afigurou fácil por ser um assunto delicado, mas discutir e refletir sobre o Estado Social no médio/longo prazo tornou-se demasiado importante. A sociedade mudou, a economia é global, a taxa de fecundidade em Portugal regista valores mínimos, há novos desafios para os estados modernos, temos portanto que acautelar o futuro das novas gerações, porque de nada nos serve um Estado Social insustentável e incapaz. Sabemos que o modelo em vigor é falível no médio prazo e se não houver uma reforma séria e justa, o Estado como o conhecemos poderá estar em risco.

Em Portugal o Estado Social veio com a democracia, já tarde, mas ao passo que a democracia foi pensada para o longo prazo, a Constituição de 1976 pensou o estado social a curto prazo, uma vez que o moldou à sociedade patriarcal da altura onde a economia parecia crescer com vigor e se cingia ao território nacional, a esperança média de vida era de apenas mais cinco anos que a idade da reforma e as famílias tinham em média aproximadamente três filhos.

Hoje tudo mudou, a economia é global ,  moeda é única no espaço europeu e o crescimento de 5% da economia com que o estado social foi pensado é hoje irrealista e impensável. A esperança média de vida aumentou quinze anos face aos anos 70 do século passado, o conceito família também mudou, é mais flexível, a mulher com toda a justiça tem um lugar ao lado do homem e a taxa de natalidade passou dos três  filhos em média para apenas um por casal.

Regista-se então toda uma nova forma de se viver, uma nova realidade face ao passado e à fundação do estado social, essa realidade tornou-o em larga medida ultrapassado e insustentável, sendo crucial repensar e reformar o modelo em vigor.

Com estes novos desafios sociais, os vários governos que nunca tentaram projetar o estado social para futuro, tiveram que ir buscar financiamento para sustentar toda a máquina estatal. À disposição tiveram possivelmente três mecanismos que funcionam como remédios para adiar a doença, mas nunca como uma cura, uma vez que esses remédios provocam efeitos secundários que se traduzem em mais injustiças sociais. Eles são o aumentar a carga contributiva de quem trabalha, aumentar a dívida pública ou diminuir nos apoios sociais.

Estes mecanismos funcionam na óptica de equilibrar as contas, mas sabemos que em Portugal os ordenados são demasiado baixos e nos dias de hoje a carga contributiva subjacente ao trabalho de cada um ultrapassou os limites razoáveis, cada um deve ser livre de fazer ao dinheiro do seu trabalho o que quiser. Como o dinheiro do Estado é dinheiro que este coleta através de impostos aos cidadãos e se o Estado  já não consegue dominar a despesa através desses impostos, é natural que a única opção seja pedir emprestado a terceiros, sabemos nós que foi o anormal endividamento externo que nos levou à bancarrota. Em 1980 a dívida pública rondava os 54,9% do Produto Interno Bruto (PIB), hoje ronda os 130% do PIB, ou seja ultrapassamos todos os limites para um país com uma economia tão frágil como a nossa.

Com a crescente carga contributiva sobre quem trabalha, mais as pressões fiscais a que os cidadãos são sujeitos em conjunto com o despesismo das contas públicas e com os serviços públicos como os transportes, escolas e hospitais cada vez mais degradados, ou seja com a capacidade do Estado dar respostas aos cidadãos inversamente proporcional à crescente contribuição dos mesmos, os direitos sociais tornaram se fonte de injustiças, contestação popular e crescente afastamento da sociedade e em particular dos jovens à política.

O Estado gerido pelos sucessivos governos quiseram distribuir uma riqueza que não souberam produzir, arrastaram o país para sucessivos défices, endividaram o país, aumentaram impostos para ir atrás de um prejuízo, não optaram pela reforma do Estado e desenharam assim um país mais desigual socioeconomicamente.

Neste momento apenas 1/3 dos cidadãos são produtivos e competitivos, e é também esta parcela da sociedade que produz a riqueza e o crescimento capaz de sustentar 2/3 que por incapacidade ou por se terem acomodado ao sistema não contribuem para o bem–estar geral do país.

A criação sucessiva de grandes grupos de cidadãos subsidiados ao longo da democracia tornam em larga escala a impossibilidade de reforma desde modelo. Pior que isso, a forma como alguns políticos, partidos e sindicatos utilizam o estado social para seu benefício eleitoral tornam o debate ainda mais difícil. Enganar, iludir e ludibriar o eleitorado usando as suas carências é eticamente reprovável e coloca em causa a credibilidade da política.

A verdade é que a protecção social não foi capaz de ultrapassar as antigas chagas sociais, como nos mostra a taxa de desigualdade socioeconómico, visto que, os principais beneficiários não são os mais pobres e os mais vulneráveis como deveriam ser e a reforma do sistema é imperativa para combater as novas e as futuras chagas.

São portanto soluções novas, diferentes e capazes de tornar mais eficaz o apoio social do Estado a quem realmente precisa, para isso é preciso ultrapassar barreiras ideológicas a este debate. É preciso fugir do discurso fácil e previsível, dar a mão ao terceiro sector sabendo que precisa de ser regulado, temos também que deixar a liberdade individual de cada um juntamente com a sua iniciativa para procurar novas soluções e caminhos económicos,  e ser  em parceria com melhor educação o motor dos cidadãos para fazer subir quem quer a escala social. A missão das políticas públicas tem que ser ter 2/3 a produzir com o intuito solidário de reinserir socialmente o 1/3 que não consegue acompanhar o mercado livre.

Uma coisa é certa todas as gerações têm uma escolha, a nossa é a forma com que vamos projetar as novas gerações, sabendo que todas as escolhas têm consequências. Tenho a certeza que a escolha de hoje não é condenar o futuro das próximas gerações, onde os direitos fundamentais não são adquiridos, votando Portugal ao penoso fado da injustiça da pobreza e da precariedade social.