Política de concorrência no mercado digital: um entrave ao crescimento das empresas na Europa?

É uma ideia repetida à saciedade em todos os debates sobre os caminhos que a Europa deve seguir, qual mantra de desenvolvimeno económico: a aposta na economia digital, como motor de desenvolvimento de uma economia europeia com níveis de crescimento anémicos, gerando o aparecimento de produtos, serviços e emprego de alto valor acrescentado, capazes de competir à escala global.

Ideia, ademais, alimentada pelo exemplo luminoso de Sillicon Valley e dos “tech giants” americanos, verdadeiros viveiros de talento, inovação e disrupção económica e social (realidade ou não, assim o é no imaginário coletivo). Perdemos a conta ao número de empresas que são entituladas como “novo Facebook” ou “novo Google”, ou aos projetos que têm como aspiração serem o Silicon Valley da Europa.

A realidade é, no entanto, muito diferente. Apenas 15% das empresas de base tecnológica que valem mais de mil milhões de dólares é de origem europeia, em comparação com 46% com origem nos EUA e 35% na Ásia. Consequentemente, apenas uma empresa europeia cotada em bolsa figura no top-25 de empresas com maior cotação bolsista (SAP), ao passo que, relativamente a empresas não cotadas, apenas duas entram no mesmo top-25 (Spotify e Delivery Hero).

Se a União Europeia (EU) pretende que as empresas europeias tenham sucesso no mercado digital global, especialmente em relação a empresas americanas e asiáticas, as autoridades de concorrência necessitam de refletir sobre a sua prática em função dos fins da Política de Concorrência Europeia, possivelmente reconhecendo que a escala, ainda que em forma de monopólio, favaorece não só os consumidores europeus, como é um requisito indispensável para o sucesso na economia digital.

A este propósito, convém esclarecer que a política de concorrência da EU tem como principal finalidade, no âmbido do Mercado Único, promover a acesso a podutos e serviços de melhor qualidade e ao melhor preço possível. Isto significa, na prática, proteger os consumidores europeus de práticas empresariais anti-competitivas, como a cartelização ou abusos de posição dominante, tendentes a aumentar as suas receitas, mediante a diminuição da quantidade e qualidade de produtos e serviços à disposição dos consumidores e, bem assim, do aumento dos preços dos mesmos.

A dificuldade que as start-ups europeias têm em ganhar escala com rapidez suficiente para que possam competir com as suas congéneres americanas ou asiáticas baseia-se, em primeiro lugar, na fragmentação dos mercados europeus. No entanto, o quadro regulatório da UE no campo da concorrência não se tem mostrado adequado às especificidades da economia digital, pois os reguladores mantêm uma visão antiquada relativamente à aplicação do mesmo, o que implica três grandes problemas.

Em primeiro lugar, as autoridades de concorrência mantém uma abordagem estrutural nas suas análises, com o foco na dimensão das empresas e no número de concorrentes. Porém, esta abordagem não é adequada aos mercados digital e de big data. Não obstante exisitir tendência à concentração, considerando que muitos destes mercados são de acesso gratuito, esta é normalmente pró-inovação e em favor do consumidor. Na economia digital, a possibilidade de as empresas oferecerem melhores condições aos consumidores depende da sua capacidade de escalar o negócio, ao mesmo tempo que conseguem aproveitar os efeitos de rede. Por exemplo, os turistas usam o Airbnb porque os os anfitriões usam a plataforma e vice-versa. Assim, na economia digital, a posição dominante de algumas empresas é um resultado inevitável do processo competitivo – nem os turistas, nem os anfitriões iriam beneficiar de se retalhar o Airbnb em empresas mais pequenas, ainda que isso promovesse concorrência entre elas. Adicionalmente, em muitos mercados estas plataformas encorajam a concorrência, ao reduzirem os custos de entrada em mercados onde a utilização de big data não se encontrava disseminada, uma vez que esta, não sendo um recurso monopolístico, é  de fácil acesso, com baixos custos de recolha, pode ser processada por diferentes empresas e perde valor rapidamente. Por outro lado, as autoridades de concorrência deveriam ter em consideração os potenciais efeitos de inovação nestes mercados. Ainda que o reconhecem em abstrato, poucas vezes o fazem na prática, sendo que estes poderiam justificar fusões entre empresas de big data, por forma a acelarar o desenvolvimento de tecnologias críticas na economia digital – inteligência artificial, por exemplo. Assim, as autoridades de concorrência europeias deveriam focar-se menos em questões de estrutura e mais em matérias de conduta no mercado, especialmente em práticas de distorção da concorrência, como fixação de preços predatórios ou cláusulas de exclusividade.

Em segundo lugar, a dimensão das empresas europeias deveria refletir o facto de a dimensão dos mercados se ter tornado global. Esta questão é particularmente importante devido à concorrência sistémica entre um mercado livre e liberalizado na Europa e uma economia dirigida pelo estado na China, onde as empresas são forçadas a fundirem-se, sendo depois subsidiadas para concorrer globalmente. Acreditar que as empresas europeias podem competir sem escala é, assim, irreal. Ademais, algumas das empresas europeias com maior sucesso, como a Airbus, nunca teriam sido criadas de acordo com as atuais regras de concorrência. O facto de a recente decisão da Comissão no caso Siemens-Alstom, fusão que teria como objectivo concorrer com o gigante chinês CRRC no mercado do transporte de alta velocidade, demonstra que o foco da Comissão se centra no bem-estar do consumidor no curto prazo, ao invés do desenvolvimento da economia europeia no longo prazo, uma vez que, sem escala, a quota de mercado das empresas europeias continuará a diminuir. A este propósito, no âmbito da iniciativa Made in China 2025, dirigida ao domínio global das indústriais mais avançadas, grandes empresas tecnológicas europeias seriam um ativo muito importante para concorrer com a China.

Finalmente, os reguladores europeus continuam a utilizar a política de concorrência para perseguir objetivos não-relacionados, como demonstra uma decisão recente da autoridade da concorrência alemã relativa a utilização de dados pelo Facebook, considerada abusiva pelo facto de este se encontrar em posição dominante neste mercado, tendo proibido a empresa americana de combinar e utilizar dados de fontes diversas. Esta decisão estabelece um precedente que poderá limitar a possibilidade de as plataformas digitais partilharem dados, o que para elas é necessário para as suas oeprações ganharem escala e se tornarem mais competitivas. Dessa forma, utilizar as leis da concorrência como uma ferramenta multidisciplinar, intervindo, nomeadamente, em questões de proteção de dados, irá criar confusão aos diversos agentes envolvidos quanto ao quadro regulatório aplicável, o que, por sua vez, poderá restringir a inovação e o crescimento das empresas europeias na economia ditigal.

Os desafios que a União Europeia enfrenta não se resumem, evidentemente, às políticas de concorrência, mas esta assume um papel importante na abordagem aos mesmos, pelo que a resposta exige uma nova forma de pensar. Com um novo Parlamento e Comissão a tomarem posse este ano, temos a oportunidade de iniciar o processo de adaptar a nossa política de concorrência, baseada na economia industrial do séc. XX, para a economia digital do séc XXI.