Primeiro, a Saúde

O SNS constitui uma das maiores realizações sociais da democracia portuguesa. Tal como está expresso na nossa Constituição, foi criado para garantir o acesso a cuidados de saúde de forma universal e tendencialmente gratuita.

Ao fim de 40 anos de existência, o SNS afirma-se como um elemento crucial na nossa sociedade, sendo impossível ignorar o contraste abismal na qualidade e no acesso aos cuidados de saúde desde a sua criação até aos nossos dias.

Apesar de ser um motivo de orgulho para todos nós, o SNS enfrenta, hoje, gravíssimos problemas no acesso e na sustentabilidade financeira.

As elevadas listas de espera para cirurgia ou para uma consulta de especialidade e a existência de 711.000 portugueses sem acesso a médico de família são dados alarmantes.

Contornando essas limitações, 2,34 milhões de portugueses possuem seguros de saúde privados, 1,2 milhões são beneficiários da ADSE e se acrescentarmos os restantes subsistemas de saúde, totaliza-se um conjunto aproximado de 4 milhões de cidadãos que acedem a cuidados de saúde fora do SNS.

Fica claro que, actualmente, o poder económico é limitador no acesso aos cuidados de saúde. Existindo uma saúde para “ricos” e uma saúde para “pobres”. Uma saúde para “ricos” que conseguem encontrar fora do SNS a solução em tempo útil para os seus problemas. Uma saúde para “pobres” que não conseguem evitar os problemas do SNS. Esta realidade é profundamente injusta e geradora de desigualdades.

Além dos problemas de acessibilidade, a sustentabilidade financeira do SNS está ameaçada pela tendência clara de aumento da despesa em saúde acima do crescimento do PIB. Situação que se agravará com o envelhecimento da população. Se há 15 anos as despesas totais do SNS rondavam os 7,3 mil milhões de euros, agora são cerca de 10 mil milhões de euros.

Pela natureza da política partidária portuguesa, qualquer tema que desperte a atenção gera, invariavelmente, um crispado e pouco produtivo debate. Debate, tantas vezes, castrado à nascença por discursos excessivamente ideológicos, carregados de preconceitos e alimentados pela desactualizada e limitadora dicotomia “esquerda” versus “direita”.

Não defendo que deva ser o pragmatismo a dominar o nosso discurso e acção mas, em certos temas, deve o debate ser objectivo, com base na análise de dados, sendo necessário que os agentes políticos tenham a humildade de compreender e aplicar modelos de sucesso, independentemente da sua possível conotação ideológica.

Se há tema ao qual aplico este raciocínio é no debate sobre o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Não me revejo no preconceito de que a gestão privada é sempre mais eficiente do que a gestão pública. Como também não alinho na ideia de que qualquer PPP (Parceria público-privada) representa um negócio ruinoso para o Estado.

 

A gestão pública tem o mesmo potencial de uma gestão privada. Para tal é fundamental fornecer-lhe as ferramentas necessárias: autonomia na gestão, capacidade de fixar quadros de excelência e a estabilidade orçamental. As unidades de saúde devem ser entregues a equipas de gestão escolhidas por concurso público que se submetem a um sistema de incentivos e de penalizações em função de objetivos previamente definidos.

Mesmo assim, é positiva a cooperação e articulação entre as iniciativas pública, privada e social dentro do SNS.

A entrada destes sectores na gestão e prestação de serviços públicos de saúde permite a saudável comparação e competição entre as diferentes formas de gestão. Introduzindo uma pressão positiva no sistema, promovendo mudanças de comportamento que levarão a um consequente aumento da acessibilidade e qualidade. Naturalmente, o pagamento por parte do Estado terá que ser sempre em função dos resultados atingidos no serviço prestado à população, exigindo-se uma rigorosa fiscalização.

A promoção da Saúde não pode estar dependente de um debate de oposição entre público e privado. Pouco importa aos portugueses se o Estado garante um serviço prestado por uma unidade hospitalar com gestão pública ou por uma unidade hospitalar com gestão privada.

Os portugueses querem que os nossos decisores encontrem o caminho para a prestação de um serviço sustentável, com qualidade e que garanta o acesso de todos independentemente da sua condição social.