Ao Leme de Portugal – um livro para todos os (social) democratas portugueses

Ao Leme de Portugal – Governos e Governantes de 1974 a 2019 é um livro escrito por um jovem – Gabriel Mateus Albuquerque. Por versar temas políticos, de história da política portuguesa se preferirem, e ser escrito por um jovem, de 22 anos apenas, torna-se particular e, no caso em questão, de particular interesse.

O livro, fazendo uma súmula dos seus méritos, cultiva-nos sobre aqueles que determinaram o nosso viver desde a implantação da Democracia após o 25 de Abril.

Não seria grande mérito se a História desse período tão determinante para o nosso status quo atual fosse profusamente e isentamente difundida por todos os Portugueses, nomeadamente, entre aqueles, como eu ou o autor, que já nascemos em Democracia.

Porém, para quem não viveu esse período ou não fez uma pesquisa tão exaustiva e rigorosa quanto o autor – juntando vertente objetiva e subjetiva, através dos testemunhos pessoais de vários ilustres senadores do regime – certamente ficará surpreendido com a quantidade de informação que, primeiro, não aprendeu na escola nem se sonha que venha a constar nos conteúdos programáticos (não será por iniciativa do atual ministro da Educação com certeza…) e, segundo, está completamente apagada do espaço público e de qualquer contextualização das decisões políticas atuais.

No entanto, há abundantes lições a retirar deste livro, o que a torna leitura obrigatória para todos os democratas portugueses e, particularmente, para todos os jovens social-democratas que querem ter uma palavra a dizer sobre o futuro do nosso País.

A título de exemplo, se alguma vez tiver sido apresentado a um jovem português o processo de descolonização português, tendencialmente, passará por lugares-comuns de abandono desordenado, a boa assimilação dos “retornados” e no envolvimento, salutar, de Mário Soares. O relato apresentado nesta obra poderá trazer uma perspetiva díspar, particularmente, aquela em que se reconheciam representantes legítimos dos povos colonizados e se permitia, ordenadamente, a autodeterminação do seu futuro, possibilidade esta completamente frustrada pela atuação do próprio Mário Soares.

Igualmente, relativamente aos arranjos políticos que culminaram na tão atual “geringonça”, por um lado, pelo menos até à década de 80, mostra-se a proeminente preferência dos militantes socialistas por coligações com os partidos à sua direita (pág.117), por outro, que foi Jorge Sampaio quem, pela primeira vez, orquestrou uma coligação entre socialista e comunistas (pág. 280) – nem nisso António Costa se poderá gabar de originalidade.

Outro aspeto de relevo, para muitos determinantes para o atual enquadramento político, foram as “baixas” no espetro político de direita em Portugal. Estas não se esgotam no trágico atentado de Camarate que vitimou, entre outros, Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e Patrício Gouveia, mas passa também por Pinto Leite, juntamente com outros três deputados. As tragédias que alguns políticos de direita protagonizaram, para muitos, amputou criticamente a atuação da própria direita portuguesa.

Engraçadamente, logo na pág. 39 se pesca um primeiro exemplo de como os ministros socialistas e as demissões desde cedo que são um assunto controverso. Todavia, como se mostra na pág. 104, 274 ou 289, essas dificuldades não eram transversais a todos os políticos. Com o atual e último governo, uma revisão destas passagens poderia levar à mudança de perspetiva ou, no mínimo, admissão interna dos seus pecados.

Outrossim, a paz da revolução e o branqueamento de algumas atividades políticas extremadas por parte de forças de esquerda não são, corajosamente, omitidas neste livro. Desde sequestros a congressistas do CDS a queima de livros considerados “fascistas”, nacionalizações de empresas representativas de entre 20-30% do PIB Português, expropriações (vulgo, roubo) de inúmeros prédios rústicos, simulações exatas de triunfalismos soviéticos ou a necessária expulsão, tão tarde como 1980 (!) de quatro alegados espiões do KGB envolvidos em ações de desestabilização no Alentejo, são revelados vários episódios bastante representativos do que seria de esperar caso o povo português fosse menos “espevitado” perante o avanço de forças políticas radicais.

Outro aspeto interessante é, como jovens que, dentro do espetro político do PSD atual, se qualificam entre o centro-esquerda e o centro-direita, ver que não houve espaço para a Direita no espaço político português durante largos anos após a implantação da Democracia e da suposta Liberdade. Simplesmente, mesmo alguns sociais democratas defendiam a conversão para uma República Socialista, como objetivo final.

Não posso deixar de apontar, nas questiúnculas entre o PSD de esquerda, centro-esquerda, centro-direita ou direita, um episódio que me marcou de um discurso de Eanes à Assembleia da República em que acusa, em particular Sá Carneiro, de ser uma oposição infrutífera: “A competência não se demonstra pela oposição sistemática, antes se afirma pela capacidade para construir bases estáveis de exercício de poder democrático”, rejeitando as “oposições permanentes”. Aqueles que hoje em dia tanto se afirmam como “Sá Carneiristas”, bem como, apologistas de atual estratégia do PSD parecem-vos mais discípulos do mesmo ou de Ramalho Eanes?

No fundo, este é um texto riquíssimo que apresenta vários episódios potenciadores de reflexões interessantíssimas sobre a atualidade política. A título de exemplo:

  • a justificação da dissolução da Assembleia da República por Jorge Sampaio em 2004 que assentaria que nem uma luva ao atual Executivo (pág. 293) e que leva, diretamente, à eleição do tão afamado José Sócrates;
  • o resultado do aproveitamento dos fundos europeus por “governos conhecedores das nossas principais debilidades e empenhados em combatê-las” e o aproveitamento que se espera da “bazuca”;
  • a utilização de políticas expansionistas keynesianas inadequadamente no período de 2007 a 2010 e como a história se repete por via do incentivo ao consumo;
  • a abertura de precedentes críticos para a democracia portuguesa que, aparentemente, não é apanágio somente do PS de António Costa (pág. 347);
  • a tomada de posse do Governo mais pequeno desde 1974 num passado tão distante como 2011, com 11 Ministros, e o contraste com o atual Executivo, incontáveis.

Por fim, um dos aspetos mais tocantes do livro é o tributo que se faz à Lei Fundamental, por exemplo, tão bem citando Costa Gomes na pág. 58. Realçando a importância da Constituição da República Portuguesa, concomitante se deixa transparecer, subtilmente e, por exemplo, através do próprio testemunho de Carlos Brito relativo a Vasco Gonçalves (vide último parágrafo do mesmo), aspetos críticos a ser melhorados, bem como o avanço gradual para o desmantelamento do seu cunho ideológico original.

Ora, se nenhuma outra Lei “é suscetível de tanta influência nos destinos de uma sociedade” e, se a nossa não é adequada, terá de (continuar a) ser alterada. Mensagem que, julgo, fica subjacente nesta composição. Como se vê, o Autor, sendo jovem, não se furta ainda assim às questões de maior profundidade na política portuguesa e esperamos que, no futuro, possa vir a ter algo a dizer sobre as mesmas e esta em particular.

Outra nota referente aos fundamentais da política reside na própria alteração de fazer política e das causas defendidas. Exemplo prático e ilustrativo disso mesmo foi o programa de governo apresentado por Maria de Lourdes Pintasilgo de meras, e imagino que concisas, 30 páginas. Contrastante com os programas atuais de 200 páginas que ninguém se digna a ler, provavelmente nem os próprios candidatos, e ilustrativo da falta de foco nas essenciais necessidades, básicas, dos eleitores.

Destarte (admito que é uma palavra aprendida na leitura deste livro), recomendo a todos os (social) democratas a leitura desta obra de elevado arcaboiço intelectual e um poço de conhecimento que pode fintar até aqueles jovens que se julgam mais informados pelo simples facto de que os adultos não se dignaram a transmiti-los.

Aqui fica, portanto, mais um exemplo da importância da intervenção dos jovens na Política!

 

PS: Muito curiosa é o testemunho de um socialista convidado que, querendo realçar as semelhanças originais entre os socialistas e os social-democratas, apresenta o facto de o termo social-democrata resultar do diminutivo do termo alemão para socialistas democráticos. A meu ver, algo fica de facto bem claro: houve alguém que, certamente por ter desvendado os propósitos últimos dos socialistas, fez questão de se diferenciar dos mesmos, afirmando que a sua ideologia conduzia para a democracia, sendo portanto um, diferente, socialista democrático!