O Conselho Geral da Ordem dos advogados, irá propor em Assembleia Geral, no próximo dia 17 de setembro, uma proposta de alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), que entre as quais, se destaca a alteração do artigo 194º, que diz respeito à inscrição no estágio da Ordem.
A alteração visa que, podem se inscrever no estágio da Ordem dos Advogados, os titulares de licenciatura em Direito, com o grau de mestre ou de doutor, ou respectivo equivalente legal. O presente estatuto, em vigor, estatui que podem requerer a inscrição, os licenciados em direito, não tendo como obrigação ser detentores de grau de mestre ou doutor. Mudança esta, a acontecer, irá no meu ponto de vista trazer imensas limitações de acesso, e vai deixar de fora centenas de juristas, com o sonho da advocacia.
Quem é estudante de direito, e não só, sabe o quão é exigente é a licenciatura em Direito, de 4 anos, onde são ministradas cadeiras fundamentais para a carreira de jurista, de advogado, de magistrados, sejam elas, processo civil, processo penal, entre outros, num leque de mais de 20 cadeiras, lecionadas durante 4 anos. Licenciatura esta, que para já, não saem baratas aos bolsos dos estudantes, e na grande maioria, das suas famílias, que em sacrifício conseguem proporcionar aos estudantes esta oportunidade de aprendizagem.
No que concerne ao estágio propriamente dito, ministrado pela Ordem dos Advogados, para se ter uma noção da realidade, o mesmo exige o pagamento, de pelo menos, €1.500 euros, pagos ao longo dos 18 meses, que vão direitinhos para os cofres da ordem e que reveste das maiores “fontes de receita” da mesma, em que nos primeiros meses são ministradas sessões de formação de prática processual civil, prática processual penal e deontologia profissional, que são basilares e fundamentais para o exercício da atividade de Advocacia, não contanto com as sessões de caracter facultativo, que a ordem oferece aos estagiários.
Durante 18 meses, temos advogados estagiários, na maioria, a sofrerem condições indignas de estágio, nos seus escritórios, na maioria sem possibilidade de obterem qualquer rendimento, que os ajude a suportar os seus custos mensais, e que passam 18 meses a batalhar, naquilo que mais desejam, a nível profissional: passar na agregação.
Ao fim dos 18 meses, os advogados estagiários submetem-se a um exame rigoroso, complexo e exigente, para aferir as suas capacidades, para o exercício da actividade profissional, onde muitos acabam por não conseguir e terem que voltar à “casa de partida”, pagando novamente altos valores económicos, a custo do esforço de familiares, de empregos que não podem ser incompatíveis com o ingresso na ordem, e naturalmente com muito esforço pessoal.
A ordem defende-se com o argumento de ver a ordem dos advogados, equiparar-se ao CEJ (Centro de Estudos Judiciários), que exige também o grau de mestre ou superior, e que ao exigir o grau de mestre, está a demonstrar que os advogados estão mais bem preparados, para o exercício da advocacia.
Das duas uma: ou o estágio da ordem não é suficientemente competente e relevante para preparar os jovens advogados estagiários para a prática da advocacia, ou querem restringir, ainda mais, o acesso à classe.
Sejamos práticos: Partindo do pressuposto e da premissa que um mestrado em direito reveste mais capacidade para a prática da advocacia, que volta-se a referir, que o estágio da ordem é avaliada, tendo em conta as três áreas essenciais, práticas processuais civil, práticas processuais penais e deontologia profissional, a pergunta que se coloca é : o que é que, por exemplo, um mestrado em História do Direito, ou em direito do ambiente (sem qualquer desprimor para nenhum dos mestrados), tem na sua componente académica, que qualifique ainda mais o jovem jurista, para estar apto a seguir a advocacia? Não é o exame de agregação à ordem dos advogados, conhecido pela sua exigência, o único capaz de demonstrar se uma pessoa está apta ou não, para exercer a profissão? Nem sequer falaremos do exame em si, que também teria “pano para mangas”.
Meus senhores e minhas senhoras, vivemos tempos difíceis, em que muitos não sabem o seu futuro, nomeadamente a nível económico, que devido à pandemia avassalou todos nós, e que muitos se estão a tentar recompor, em virtude do maior desemprego. Impor aos estudantes, juristas, mais um custo na ordem dos milhares de euros por ano, a tirarem um mestrado, que se tornará condição sine qua non, para a inscrição no estágio da ordem dos advogados, vai garantidamente, restringir os acessos à ordem dos advogados.
Quem são os únicos que ganham com a exigência do mestrado? As universidades, que naturalmente vão aumentar os seus cursos e acessos, acumulando fortunas ao longo dos anos.
Em síntese podemos destacar 2 das maiores desvantagens que põem em causa, centenas ou milhares de juristas a ingressar na ordem, ou pelo menos tentar:
- Aumento da despesa, de custo elevado, em que muitos terão que deitar por terra o seu sonho, por não terem condições económicas para continuar os estudos, e dessa forma verem-se forçados a não ingressar no estágio;
- Aumento dos anos de estudo exigidos, para 8 anos, contando com licenciatura, mestrado e estágio, que para um aluno de 18 anos que ingresse na universidade, só consegue exercer, se nada falhar, aos 26 anos de idade, pondo em causa a Independência de um jovem estudante, tão desejada, e cada vez mais longínqua.
Vivemos tempos incertos, do ponto de vista social e económico. Exigir numa altura destas que um jovem estudante, licenciado em direito, tenha que tirar obrigatoriamente o mestrado, é esmagar por completo os seus sonhos, a sua vida. Não estamos a falar de uma maior preparação, que todos concordamos que é necessária, cada vez mais. Agora há formas de tentar exigir mais competências, sem estas necessidades, limitadoras, restritas, impiedosas que querem impor.
De relembrar, que tais tentativas de impor o mestrado como condição no acesso ao estágio, não é inovadora, não tendo porem merecido acolhimento mais recente, no estatuto da ordem dos advogados.
Esperemos que pese embora possa ser aprovada esta alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados, a Assembleia da República chumbe tal alteração.